sexta-feira, 7 de maio de 2010

Se eu podia viver sem o Tó?

O Tó Manel (Tó para os amigos) estava fodido. “Tou fo-di-do!” dizia, “Pu-ta que pa-riu!” (assim, como quem aprende a ler), “Cá-rálhos mafôdam!” ponto final.


O que realmente perturbava o pobre Tó eram os políticos ladrões, os árbitros ladrões, o patrão chulo e no geral, “essa malta c’andá roubar”. Outros factores de ansiedade seriam o trânsito os peões e os taxistas, o frio a chuva e a lama, o calor o pó e os mosquitos, o seu filho, “Malandro! Calão!” (calduço no moço) e os filhos dos outros, a canalha. “AHRRGH a canalha!!!”.


Mesmo quando o Benfica ganhava havia a questão da mãezinha do árbitro, e logo a propósito os arrumadores lá da rua. “Um dia corro com eles à paulada!!”. Nos dias de derrota, a mãezinha e a esposa do árbitro, o ponta de lança e o defesa esquerdo, o treinador, e na sequência lógica, o miúdo e a escola (duplo calduço no moço), “a merda do cão que não se cala!!” (biqueirada de pé esquerdo) e a súbita falta de asseio e bens essenciais lá por casa atribuída à falta de zelo da Maria.


“A minha Céu pá.. fode-me o juízo mas nunca me falhou em nada!!”


Questões raciais à parte, porque o Tó não era disso. “Lá na terra deles é que eles estavam bem!” (solidário). Havia a malta da passa, os pedintes, as bichas, o pessoal do graffiti, a maralha das flautas e cães e cabelo à maluca que “têm bom cabedal pa trabalhar”, os ricos que “têm a mania!” e por afinidade, o vizinho do 2º frente (que era pobre, mas tinha a mania).


Mistério insondável, o Tó teve um enfarte do miocárdio, quando a meio da quinta imperial e prestes a provar para além de qualquer dúvida a injustiça do fora-de-jogo contra o Benfica.”Então não se vêeaaaiii….” (mão no peito e chuveirada de tremoço).

O triplo bypass salvou-lhe a vida, o cirurgião era Russo, homossexual e simpatizante do F.C do Porto, mas o Tó não sabia; “Deus abençoe o Doutor”. Para a enfermeira: “Ó crida anda aqui ver qu'isto não tá pingar!” (mãozinha nas carnes da moça) “Tratas tão bem de mim! Não me queres levar pa tua casa?”.


Experiência limite e o Tó acalmou (excepção feita ao dia de jogo), a ofensa omnidireccional perdeu a pungência e o alcance, as expressões de desagrado foram sendo substituídas por resmungos entre dentes e o miúdo e o cão escapavam-lhe amiúde aos calduços e biqueiradas.

“Ó Tó andas tão calminho!” diziam os amigos. “Não é o que diz a tua mulher!!” (vai busca-la!!!).

Mas chegada a noitinha depois do café, o Tó, meio-meio a tropeção e cambaleio enfiava-se na cama, enroscava-se na Maria e o mundo hostil que o rodeava desvanecia-se num último “Bah!” (aquela falta por marcar).


Dormia como um bébé.

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